domingo, 05 de maio de 2024

Política: A caixa de pandora brasileira: ainda é possível salvar a democracia?

A história já é bem conhecida, contada pelo poeta grego Hesíodo na sua obra Os Trabalhos e os Dias (Sec. VIII a.C), e por isso só precisa de um brevíssimo resumo para introduzir a mensagem que se busca acerca do debate político-eleitoral brasileiro do momento. Quando Zeus enviou Pandora à terra, entregou-lhe uma caixa na qual havia colocado um pacote de medonhices para o homem: a discórdia, a guerra, a inveja, a dor e todas as doenças do corpo e da mente, deixando, lá no fundo, um dom escondido: a esperança. Claro, Zeus não disse a Pandora o conteúdo da caixa, mas recomendou veementemente que ela não poderia ser aberta em hipótese alguma. O fim da história todos já sabem: curiosa, Pandora abriu a caixa e liberou todos os males que afligem o homem. Apavorada com o erro cometido, fechou a caixa, mas já era tarde, a única coisa que conseguiu preservar para entregar em segurança aos homens foi a esperança.

Pois bem, o Brasil já viveu um período de exceção, restrição de liberdades, censura à imprensa, autoritarismo moral, religiosismos e militarismos se impondo ao debate político, prisões arbitrárias, tortura, fechamento do congresso, exílio de artistas e intelectuais, dentre outros males que deveriam ter ficado guardados na caixa. A redemocratização do País e, sobretudo, a promulgação da Constituição da República em 05 de outubro de 1988 reuniu toda essa tralha velha da história de horror político e trancafiou novamente dentro da caixa com um aviso bem grande em cima – não abra!

Porém, três décadas mais tarde surgiu uma curiosidade em parte do povo brasileiro: como seria o governo de um capitão expulso do exército que virou político com bandeiras relacionadas ao machismo, ao racismo, a violência, a defesa da tortura e do regime militar dos anos de chumbo, bem como com relações de amizade com milicianos por ele e seus filhos homenageados com medalha de mérito? Talvez seja esse o cara que vai salvar o Brasil! É de um perfil de político como esse que precisamos para ser o guardião da nossa constituição a da nossa democracia, vamos abrir a caixa!

Alguma dúvida de que a caixa foi aberta? Basta ver o debate nas redes sociais e os acontecimentos Brasil a dentro: mercadores da fé usando a religião para doutrina política autoritária (abuso do poder religioso), empresários ameaçando funcionários de demissão se não votarem no representante do projeto autoritário (assédio eleitoral), religiosos sendo fustigados pela cor das suas vestes (fanatismo), artistas sendo expulso do palco com xingamentos racistas (racismo), violência física e assassinatos com motivação ideológica (terror), tentativa de criminalização de institutos de pesquisas (censura) e remanejamento de dinheiro das políticas públicas para o orçamento secreto comandado pelo núcleo duro de apoio a reeleição do atual presidente (golpe).

O Brasil vive um cenário político de democracia sitiada, que ainda não foi completamente defenestrada por resistência das instituições republicanas, notadamente o STF, a imprensa livre e os setores de resistência popular na base social, tais como as universidades, os partidos políticos comprometidos com a democracia, os movimentos sociais, artistas e intelectuais, dentre outros. Mas a sua sobrevivência não está garantida, isso vai depender fundamentalmente do resultado das eleições presidenciais, ela vai decidir se iremos começar a juntar novamente o entulho autoritário e antidemocrático para guardá-lo novamente na caixa, ou se vamos deixá-lo solto no seio social produzindo os horrores que temos assistido no dia a dia, sobretudo nesse período de campanha eleitoral. O resultado das eleições pode legitimar o golpe pelo voto, provocando um “suicídio democrático”, ou pode resgatar a democracia do cativeiro autoritário onde encontra-se sequestrada.

Juntar a tralha e reconstruir a democracia na sua plenitude não será tarefa fácil, mas possível, afinal, não nos esqueçamos que ainda restou um dom na caixa de Pandora: a esperança.

*Isaac Luna é cientista político, advogado e professor universitário

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