A arena da política já não era mais a mesma desde a última década; a pandemia e o isolamento social em ano eleitoral apenas potencializaram isso de maneira muito evidente, inclusive para os que não queriam enxergar a realidade das mudanças. Nesse particular, o importante filósofo político alemão Peter Sloterdijk em seu emblemático O Desprezo das Massas (Editora Liberdade, 2002) já alertava para o fato de que “as massas atuais não se expressam mais na reunião física, mas na participação de meios de comunicação de massa”.
Ainda em 2007, no seu O Culto ao Amador (Zahar Editora) o historiador e cientista político americano Andrew Keen cunhava a expressão que está no título desse breve artigo: “youtuberização da política”. Keen chamava a atenção para o fato de que as redes sociais em geral (youtuberização é um expressão generalizante) são o novo ambiente privilegiado de interação social e formação de opiniões, para o bem ou para o mal. Muita gente da política tradicional continuou – e ainda continua – a não acreditar na força transformadora dessa mudança.
Pois bem, a participação e a desenvoltura de youtuber Felipe Neto no tradicionalíssimo programa Roda Viva da TV Cultura da última segunda-feira (18) foi mais um alerta para os incrédulos. Felipe não é oriundo de famílias tradicionais da política ou do baronato brasileiro, nunca ocupou ou concorreu a nenhum cargo público e não faz parte de nenhum movimento social ou partido político, ainda assim, possui mais de 38 milhões de seguidores que, somados aos seguidores do seu irmão Lucas Neto, em torno de 30 milhões, soma mais pessoas do que o número de votos que elegeu o último presidente da república (57.797,847). Um dado apresentado por Matheus Pichonelli (Portal Universa) no dia da entrevista, antes do início do programa, dá uma boa dimensão de quem era o entrevistada: “Seu último vídeo foi assistido por 3,4 milhões de pessoas e sua última postagem fixada no Twitter tinha 78 mil retuítes e 9,2 milhões de visualizações. Num dia bom, o principal telejornal do país celebrou, recentemente, uma audiência de cerca de 7,5 milhões de espectadores”.
No centro da Roda, em uma fala lúcida, com vários momentos de autocrítica, Felipe Neto fez com muita propriedade (além do estrondoso sucesso pessoal é também responsável pela gestão das mídias digitais de diversas celebridades brasileiras), a análise do papel da comunicação política nas redes sociais como determinante de voto e de futuro do País. Importante ressaltar como adendo que, apesar de parecer um assunto totalmente novo, fica claro no discurso do youtuber que a temática ainda é permeada pelas clássicas questões levantadas por Maquiavel, sobretudo no que se refere ao embate entre a ética e a eficácia. Para o influenciador digital a comunicação do governo Bolsonaro é eficaz, independente de eticamente questionável, enquanto a comunicação política das esquerdas com a população, ainda que pautada por questões éticas, tem-se mostrado ineficaz. Afinal, o que dá mais votos, a verdade ou mentira? Esse é um dilema potencializado pelas mídias sociais, sobretudo, de acordo com o entrevistado, em razão do difícil controle do WhatsApp.
Ao fim e ao cabo, o certo é que a comunicação política no ambiente virtual não pode ser uma mera transposição das práticas e discursos da política tradicional para a e-política. A linguagem, as estratégias e o processo de aproximação e conquista do eleitor on-line exigem uma nova postura e novas metodologias de ação. Os bons e velhos bate-papos com tapinhas nas costas, reuniões em comunidades, participação em novenas, aquela cervejinha com a rapaziada para mostrar intimidade já não são mais suficientes para garantir a quantidade de votos necessárias a conquista de uma cadeira no Legislativo ou Executivo, sobretudo agora, no 2020 da pandemia.
De mais a mais, mesmo com um cenário permeado de incertezas, algo pode ser dito com alguma razoabilidade: quem já era conectado, já fazia e vivia a e-política e construiu redes sociais com público alvo e engajamento, parte na frente na disputa desse ano.
Goste-se ou não da Vera Magalhães, apresentadora do programa, a sua fala de encerramento foi emblemática, de modo que a sua reprodução literal dará tons finais a esse breve escrito, vez que absolutamente adequado ao debate sobre comunicação política nas redes sociais que permeou essas poucas linhas: “Como diria Chico Buarque, mesmo autor de Roda Viva, ‘o tempo passou na janela e só Carolina não viu’. Vivemos transformações profundas e rápidas todos os dias nas formas como interagimos e nos comunicamos com o mundo…”.
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