sábado, 27 de abril de 2024

Coluna Política: O fim das saidinhas e a encruzilhada de Lula

A aprovação pelo Senado Federal que acaba com as chamadas “saidinhas temporárias” de presos, coloca o presidente Lula diante de um impasse ao mesmo tempo político, mas também pragmático e científico: vetar ou não a alteração legislativa?

A questão da violência e da segurança pública tem assumido uma relevância cada vez maior no debate político-eleitoral e, portanto, na definição do voto. Diante dos altos índices de criminalidade e da tendencia midiática de tratar casos emblemáticos com enredo de novela e tom sensacionalista e amedrontador, as pessoas em geral, apavoradas e com acesso a pouca informação técnica sobre o assunto, tendem a apoiar qualquer medida que vise um endurecimento da legislação penal e da política criminal do Estado, acreditando que a exclusão, ou até mesmo o extermínio de violadores da lei penal seja a melhor solução para o problema.

Como os agentes políticos que ocupam cargos eletivos dependem da aprovação popular para garantirem o voto e, portanto, a manutenção dos seus mandatos, a tendencia é que façam escolhas no exercício das suas atuações que agradem ao eleitorado, evitando ao máximo putas quentes que dividem opiniões e posicionamentos que os coloquem em choque direto com as suas bases e com a opinião pública. Não por outro motivo o projeto foi aprovado por maioria acachapante, da direita à esquerda, passando pelo centro: foram 62 votos favoráveis e dois contrários. Considerando que o projeto é de relatoria do senador Flávio Bolsonaro e de que a pauta é essencialmente um dos motes mais emblemáticos do discurso de Bolsonaro e dos seus principais apoiadores, a situação da bancada governista foi delicada e o pragmatismo político-eleitoral prevaleceu na decisão dos votos.

Do outro lado da política, que é guiada por opiniões e convencimentos, temos a ciência, cuja lógica guia-se pelo rigor metodológico da análise e pela busca de esclarecimento da realidade (o Direito, a Sociologia e a Ciência Política, por exemplo, compõem o campo das chamadas ciências sociais). Se o recorte do debate for feito apenas com estudiosos da questão criminal e punitiva, seja nas academias, nas instituições sociais e governamentais ou nos órgãos de classe que se debruçam sobre a investigação científica do assunto, o eixo será invertido, ou seja: a posição desse recorte social será majoritariamente contrária ao projeto.

Os motivos para esse posicionamento apresentam várias variáveis que não tem como ser integralmente expostas no curto espaço de uma coluna como essa, mas, dentre outras questões, parte da seguinte perguntas investigativa: qual o modelo punitivo definido pelo constituinte na Carta Magna de 1988? A resposta a essa pergunta é inequívoca: a Constituição Federal optou pelo modelo punitivo baseado na individualização das penas de acordo com o grau de culpa de cada agente e pela vedação absoluta (cláusula pétrea) da prisão perpetua, da pena de morte em tempos de paz e de penas cruéis e desumanas (Vide art. 5º, principalmente dos incisos XLV a LXXV). Dessa determinação constitucional, que é a Lei Maior do país, tem-se como derivado o mandamento do artigo primeiro da Lei das Execuções Penais, que trata da questão do cumprimento das penas e determina que é objetivo/finalidade da pena: “… efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”.

Sendo, portanto, o caráter ressocializador da pena um mandamento constitucional e legal, o Estado precisa promover condições para o paulatino retorno e reinserção do apenado ao convívio social, local onde, do ponto de vista da lógica do sistema, se insere a concessão do benefício das saidinhas temporárias. Considerando que os dados disponíveis apontam que 95% dos apenas retornam à prisão na data definida no ato da concessão, o desvio 5% pode ser considerado baixo, dado o caráter imperfeito de toda e qualquer política pública, em qualquer área, sempre incapaz de atingir 100% de perfeição.

O fato é que o projeto, mesmo ainda tendo de retornar à Câmara dos Deputados para aprovação, com altíssima probabilidade de manutenção do resultado do Senado, deverá ser sancionado ou não pelo presidente Lula, que terá que escolher entre o desgaste político junto a opinião pública majoritária, ou o alinhamento com os estudos científicos e a posição das instituições especializadas na questão.

Ciência e política, como bem já havia nos alertado Max Weber, são guiadas por razões distintas. Uma delas prevalecerá nessa questão. Qual a sua aposta?

*Isaac Luna é cientista político, advogado, consultor e professor universitário.

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