segunda-feira, 29 de abril de 2024

Coluna Política: A metamorfose dos partidos brasileiros

Os partidos políticos foram criados, por volta dos séculos XVII e VXIII, como agremiações coletivas organizadas em torno de ideias, para, dentre outras coisas, evitar o governo tirânico ou personalista, transferindo do indivíduo para o grupo a responsabilidade de gerir a res publica com base no interesse coletivo.

O modelo da democracia brasileira é baseado no pluralismo político, permitindo a livre manifestação do pensamento político e criação de agremiações, e no sistema partidário, o que significa que não são permitidas as chamadas candidaturas avulsas. Para concorrer a qualquer cargo político eletivo, municipal, estadual ou federal, o indivíduo precisa, necessariamente, estar filiado a um partido político juridicamente regular e concorrer internamente à concessão da legenda do partido para ser oficialmente candidato.

A escolha do partido tem, ou deveria ter, pelo menos em tese, relação direta com a identificação de ideias e projetos políticos, bem como com a origem social do pretendente a candidato ou militante. No estudo da Ciência Política é possível se encontrar uma categorização dos partidos políticos, sendo que a mais comum é a que os divide em partidos de massa ou partidos de quadros: os primeiros seriam aqueles que surgem de baixo para cima, nascem dos movimentos sociais, das organizações da sociedade civil, de setores da intelectualidade etc, com o propósito de defender causas e interesses populares. Já os partidos de quadros seriam aqueles que brotam de cima para baixo, são criados por quadros políticos já estabelecidos no poder, empresários, setores da intelectualidade etc, para defender um conjunto de ideias e interesses que unem caciques e figurões da vida pública e econômica do país.

Há, contudo, dois tipos de partidos que parecem ter se consolidado no cenário brasileiro, deixando os velhos partidos de massa e de quadros apenas na lembrança da história. Há um movimento de transformação, uma metamorfose em curso que indica a transmutação de todos os partidos minimamente competitivos nos jogos eleitorais em partidos catch-all ou partidos cartéis, dois tipos bastante estudados na academia atualmente.

Os partidos catch-all (cata-tudo, em tradução livre), são produto da agonia progressiva das ideologias, do arrefecimento do debate de ideias e propostas fundamentadas em teorias e modelos de mundo historicamente analisáveis e, não menos importante, da menor importância que se dá ao militante como agente estratégico na disputa eleitoral. Nesse modelo de partido há uma aguda flexibilização das ideias e do perfil histórico do pretendente: o cálculo é pragmático, se tiver votos, pode entrar no partido, se tiver público nichado, pode também, se tiver capacidade de investimento, idem. Partidos de ideias, sejam mais à direita (de quadros) ou mais a esquerda (de massa), são cada vez mais raros, dada a drástica diminuição da qualidade do debate e da educação política. Não que eles tenham sido extintos do cenário político, mas, na prática, tornaram-se muito pouco competitivos dentro das regras do jogo eleitoral (fundo partidário, tempo de TV e rádio, financiamento de campanhas etc).

Na arena real da disputa pelos espaços de poder do Estado, quem não “metamorfoseou-se” ou está em processo de metamorfose para cath-all, provavelmente é porque já é um partido cartel, ou seja: uma agremiação política sem qualquer base social ou conteúdo programático baseado em ideias, fundado exclusivamente na negociação de espaços da máquina pública. São partidos que só existem em torno de cargos, seus filiados são prospectados através de portarias de nomeação ou contratos com a administração pública, sem nenhuma ligação com o campo das ideias e do pensamento social. São partidos meramente cartoriais que vivem da ocupação da máquina pública.

Não por outro motivo temos no Brasil os chamados partidos de aluguel, verdadeiras máquinas de fazer negócios e de arrecadar dinheiro público em suas contas. Outra característica bastante peculiar e comum da perda da condição de agremiação coletiva e de ideias dos partidos políticos é a conhecida condição no meio político dos chamados “donos” do partido que controlam determinadas siglas do sistema partidário nacional, decidindo quem pode entrar e quais são as condições para entrar.

No multipartidarismo brasileiro é possível identificar todos esses tipos de partidos listados, bem como identificar aqueles que são efetivamente competitivos no jogo eleitoral em cada pleito, já que a mobilidade dos atores entre as siglas torna bastante instável a hegemonia partidária.

A questão, do ponto de vista da análise, não é se tem ou não partidos cartéis e cath-all, mas qual o grau de gradação cath-ll e/ou cartel que existe em cada partido.

Em 2024 tem eleições municipais, e uma forma bem direta de testar na prática se a perda das bandeiras, ideologias e identidades partidárias é um fato real, é perguntar: a quais partidos pertenciam o prefeito, o vice-prefeito e o vereador que você votou em 2020? Eles ainda estão nos mesmos partidos? Isso faz alguma diferença para você na decisão de votar ou não novamente neles ano que vem?

*Isaac Luna é cientista político, advogado, consultor e professor universitário

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