O abuso no consumo de álcool e de outras drogas é a segunda maior causa de admissões na clínica psiquiátrica do Hospital Regional Vale do Jaguaribe (HRVJ), com uma taxa de 18,6%, ficando atrás apenas da depressão. Somente nos primeiros cinco meses do ano, a unidade já recebeu 43 pacientes com esse perfil. A faixa etária mais predominante é de pessoas entre 15 e 30 anos, com uma incidência de 39,5%, e pouco mais da metade é do sexo feminino (51,16%).
O acesso de pacientes na unidade da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa), localizada em Limoeiro do Norte, se dá por meio de regulação médica, ou seja, do encaminhamento de outros serviços para o equipamento. O tratamento, segundo o médico psiquiatra Márcio Granjeiro (foto), é realizado de forma centrada na individualidade de cada paciente, sempre respeitando suas crenças e peculiaridades.
Nesta quinta-feira (26), Dia Internacional Sobre o Abuso e Tráfico Ilícito de Drogas, você confere uma entrevista completa sobre o assunto com o psiquiatra do HRVJ. “A sociedade deve parar de achar que a pessoa com dependência é uma pessoa fraca ou perdida, devendo compreender que a dependência química é uma doença crônica e com isso tentar diminuir o estigma e o preconceito”, ressalta Márcio.
Quando o uso de drogas é considerado patologia (doença)?
Márcio Granjeiro: O uso de substâncias psicoativas (SPA) é considerado uma patologia quando seus efeitos começam a afetar nossas esferas de vida (como trabalho, casa, relacionamentos, etc.). De acordo com o manual que utilizamos para fazer essa classificação, o DSM 5, o quadro de uso de SPA, é considerado patológico quando tem mais de duas características abaixo:
1. Maior quantidade ou por mais tempo do que o planejado.
2. Tentativas mal-sucedidas de reduzir ou controlar o uso.
3. Muito tempo gasto para obter, usar ou se recuperar da substância.
4. Desejo intenso ou fissura (chamado de “craving”).
5. Comprometimento em cumprir obrigações (trabalho, escola, casa).
6. Uso contínuo apesar de problemas sociais ou interpessoais.
7. Abandono ou redução de atividades importantes.
8. Uso em situações fisicamente perigosas.
9. Uso contínuo mesmo com problemas físicos ou psicológicos causados, ou agravados.
10. Tolerância: necessidade de doses maiores ou efeito diminuído com o mesmo uso.
11. Abstinência: sintomas específicos ao parar ou reduzir, ou uso para aliviar esses sintomas.
Como é feito o tratamento no HRVJ de uma pessoa que faz uso de drogas?
MG: O tratamento realizado em nossa enfermaria (do HRVJ) aos pacientes dependentes do uso de substâncias psicoativas é realizado de forma centrada na individualidade de cada paciente, sempre respeitando suas crenças e peculiaridades. Utilizamos de nossa equipe multiprofissional com psicólogos, enfermeiros, assistente social, fisioterapeuta para garantir um tratamento integral, em relação à parte medicamentosa tentamos tratar impulsividade, ansiedade e necessidade do consumo, até podermos inseri-lo novamente na rede.
Existe algum tipo de droga que cause mais danos?
MG: Essa pergunta é um pouco difícil de responder porque apesar de termos substâncias psicoativas com grau de dano individual bem graves como o uso do crack e cocaína, por exemplo, temos outras que tem uma alta de dano social. Acredito que, por isso, o uso do álcool no Brasil e na nossa região tenha um impacto total maior, uma vez que temos riscos de dependência, bem como riscos de doenças físicas (cirrose, carências de vitaminas, etc.), riscos de acidentes e violências, ajudados pela facilidade de acesso e disponibilização da bebida alcoólica.
Como a família deve proceder em casos de pessoas com dependência em álcool e outras drogas?
MG: A família tem um papel fundamental no tratamento, servindo como uma rede de apoio ao entender que a dependência é uma doença crônica e com recaídas. É preciso tentar demonstrar afeto e evitar o julgamento, tentar também não acobertar comportamentos destrutivos como, por exemplo, o roubo ou mentiras para conseguir substâncias para o consumo. É fundamental, ainda, procurar ajuda nas redes de saúde mais próximas como os Centros de Atenção Psicossocial de Álcool e Drogas (Caps AD) ou mesmo ambulatórios de saúde mental.
Após a alta hospitalar, quais os próximos passos do paciente?
MG: Após alta hospitalar, o paciente tem que ter consciência de que está apenas iniciando seu tratamento, precisando continuar seu acompanhamento no Caps AD de seu município. Entender que é necessário criar novos hábitos e que isso leva tempo, não podendo, nesse processo, parar as medicações e as consultas multiprofissionais agendadas. Tentar implantar hábitos saudáveis e benéficos, como atividade física, alimentação adequada e sempre priorizar uma boa noite de sono.
Como a sociedade pode ajudar uma pessoa com dependência em álcool e outras drogas?
MG: A sociedade deve parar de achar que a pessoa com dependência é uma pessoa fraca ou perdida, devendo compreender que a dependência química é uma doença crônica e, com isso, tentar diminuir o estigma e o preconceito. Devendo sempre fomentar a promoção da integração social dessas pessoas, ofertando trabalho e educação.