Por Isaac Luna*
Os pleitos eleitorais nos pequenos e médios municípios do interior brasileiro costumam ocorrer entre dois candidatos fortes, cada um representando um grupo ou uma família tradicional do lugar e, aqui, acolá, um ou dois candidatos sem maior expressão representativa e probabilidade de vitória. Assim, mesmo com eleição em turno único, o candidato vitorioso tende a ser eleito com maioria simples numa votação majoritária (50% + 1 dos votos válidos). Entretanto, com o apogeu da “era das redes sociais”, possibilitando canais de divulgação de ideias e reunião de pessoas em uma escala impensável há até pouco tempo, bem como o surgimento de movimentos virtuais de massa com bandeiras antipolítica, de extrema direita e de “renovação”, abre-se um novo espaço que pode influenciar nas disputas eleitorais nas cidades que possuem menos de 200 mil eleitores e que, por isso, não contam com segundo turno (art. 29, II da Constituição Federal de 1988), o que é o caso de todas as cidades da região do Cariri cearense.
Considerando essa nova realidade e olhando para o que aconteceu nas eleições para presidente da República em 2018, faz-se necessário a observação atenta do ambiente e das condições atuais para se compreender em que medida os fatos daquele escrutínio podem aparecer com alguma relevância nas disputas municipais que se avizinham. Para isso é preciso se atentar para pelo menos três fatores: 1. A mudança e a fragmentação do perfil do eleitor, principalmente pela retomada do discurso conservador e de direita, ausente das eleições brasileiras do período da redemocratização até 2018; 2. O movimento de interiorização do PSL; 3. A criação do Aliança pelo Brasil.
Reiteradas pesquisas atestam que o “bolsonarismo” está presente de maneira mais consolidada e fiel em uma fatia que corresponde a aproximadamente 12 a 15% do eleitorado brasileiro, mesmo que de maneira fragmentada em diversos partidos ou em partido algum, tendo tido no PSL o canal para união dessa gente na eleição presidencial. A saída de Bolsonaro do partido não implica no retorno dos sociais liberais ao patamar de insignificância política que tinham até as últimas eleições, já que muitos dos eleitos na “onda Bolsonaro” permanecem na legenda e colocam como estratégia prioritária para 2020 o lançamento de diversas candidaturas para expandir o partido pelo interior do País. Simpatizantes da extrema direita e da antipolítica, sobretudo aqueles decepcionados com o governo, tendem a encontrar no PSL o lugar de pertencimento político sem abandono do discurso moralista, ufanista e de direita.
De outra banda, o presidente tem até o dia 4 de abril para formalizar o registro do Aliança Pelo Brasil no TSE e apresentar os seus candidatos aos pleitos municipais de 2020. Há uma forte mobilização entre determinados grupos evangélicos, empresariais, militares e conservadores trabalhando para esse fim, bem como também deve ser considerado o fato de que o TSE admitiu a colheita de assinaturas eletrônicas para comprimento da meta, que é de 491.967 mil assinaturas, correspondente a 5% dos votos válidos na última eleição para a câmara dos deputados. Os organizadores estimam que já contam com 200 mil assinaturas registradas em cartório, algo em torno de 40% do total necessário.
Se o presidente conseguirá ou não formalizar o seu partido a tempo ainda não é possível afirmar, mas o fato é que com ou sem o Aliança Pelo Brasil deverão aparecer nas eleições municipais desse ano candidatos que surfarão no rescaldo da “onda Bolsonaro” e poderão abocanhar uma fatia do eleitorado suficiente não necessariamente para serem eleitos, mas para alterar a logica bipartida das eleições interioranas, influindo diretamente nos seus resultados.
Apenas a título de exemplo, em Barbalha e Santana do Cariri a diferença entre os dois candidatos que estavam de fato na disputa foi de menos de 1% (0,53% e 0,72%, respectivamente), em Aurora 4,84%, Milagres 5,14% e em Juazeiro do Norte de 8,63%. Todas essas diferenças estão abaixo da zona de influência do discurso conservador, militarista, moralista, teocrático e de extrema direita que passou a animar uma parte do eleitorado em torno da figura do presidente Jair.
Considerando esse cenário, a formalização de terceiras ou quartas candidaturas com o selo Bolsonaro nos municípios, principalmente nos casos onde um dos grupos políticos tradicionais já não é declaradamente bolsonarista, pode ter o potencial de atingir uma votação que interfira diretamente no resultado final, já que o modelo constitucional de não previsão de segundo turno nas pequenas e médias cidades acabou por possibilitar que o prefeito possa ser eleito por uma maioria de votos meramente relativa, ou seja, com menos de 50% dos votos válidos (Barbalha e Santana do Cariri já são exemplos disso no ultimo pleito), podendo provocar um problema de baixa legitimidade e de pouca representatividade, mas, perfeitamente legal pela regra do jogo. Numa disputa com pelo menos três concorrentes que pontuem na casa dos dois dígitos, considerando a inexistência de segundo turno, torna-se completamente factível e muito mais provável que isso ocorra.
É prudente aos partidos e candidatos, nas definições de suas estratégias e táticas de pré-campanha e campanha, não desdenharem tais circunstâncias.
*Isaac Luna é advogado, cientista político, escritor e professor na Faculdade de Juazeiro do Norte (FJN).
